Fazia tempo que não via alguém fazer uma entrada com tanta gritaria. Do canto onde me encontrava, longe da porta de entrada, todo o texto meticulosa e performaticamente proclamado para o nada se fazia ouvir nitidamente. Não entendi muita coisa, mas ouvi tudo. Todos ouviram. E pelas caras que vi pareciam se perguntar a mesma coisa ao olhar para a figura recém-chegada: mas que merda é isso?
...
Você. É você mesmo, caralho. Que nunca esteve em lugar algum,
mas nunca saiu do meu lado. Este estranho e incoerente gracejo é para você. E
não se faça de sonse. Faz tempo que convivo relativamente bem com sua presença
ausente, com o fato de ter um fantasma preso a minha sombra, com o enorme peso da
sua sombra apertando a minha. Eu dou conta desse recado que parece ter sido
escrito diretamente para euzinha. Bicha fraca nasce heterossexual, meu bem.
Olha aqui pra mim. Ouve, porra. Todo este conjunto, sua falta gritando e os recadinhos em todo outdoor, tudo parece (ou parecia) mais um artifício da incontrolável embaladora sádica de modelos pré-fabricados de corpos existências. A desgraçada produção em série de coisacorpos medicados, educados, disciplinados, casados, realizados, todos-os-ados. Eu fugindo e você querendo me pegar.
Mas o jogo parece estar se invertendo, e agora minha resistência a chamar por você parece ser uma das coisas que me normaliza. Sim, eu rio de mim mesma o quanto posso.
Uma resistência não em qualquer normalidade, mas em uma bem específica e pessoal que ajudei a inventar. Ficou confuse? Pois então venha. Venha do jeito que for mais conveniente pra você, mostrengue. Venha vestindo a roupa que mais for justa. Justa com você. Prometo que vou fazer valer a pena. Aliás, você sabe o motivo de a gente dizer que vai “valer a pena”? Que pena é essa que vale alguma coisa em algum lugar?
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